O Que É o Culto Cristão
Culto é um fenômeno multireligioso e multicultural. Em outras palavras, está presente em todas as culturas, de todos os tempos e lugares e, por isso, em toda e qualquer religião que se possa descrever. Claro que tal variedade traz a todos uma séria dificuldade do correto entendimento quando estamos pensando sobre o Culto Cristão.
Admite-se, geralmente, que um culto tem por finalidade estabelecer,
mediante ritos, dogmas e símbolos, relações entre os seres humanos e a(s)
divindade(s). Quer por magia, sacrifício, orações ou outros meios, imagina-se
que um culto deva criar, entre o mundo dos deuses e o mundo dos seres humanos,
um intercâmbio proveitoso para ambos. Seria, neste ponto-de-vista uma espécie
de fonte de revitalização e felicidade, quer para deus(es) quer para seres
humanos. Tal modo de entender o culto é profundamente pagão e mesmo
contrário ao princípio fundamental do Culto na Bíblia.
A Bíblia, quando desejou falar sobre o que denominamos de Culto,
não foi procurar na linguagem humana um termo usado em outras religiões, mas
uma palavra que se encontra no dia-a-dia das pessoas. Essencialmente, na
Bíblia, culto é serviço. [*] Um
serviço nada mais é do que algo que fazemos para outros, podendo ser um serviço
doméstico ou um serviço municipal de água e esgoto ou ainda mesmo um
serviço social. Mesmo que os termos, quer no hebraico (língua do AT),
quer no grego (língua do NT), sejam variados, todos encerram este mesmo
significado comum, corriqueiro e bem simples: servir a outras pessoas.
Iniciaremos, pois, afirmando que o Culto Cristão é o serviço que
Deus realiza em favor dos Seus, ou em favor do Seu povo. É isto mesmo: culto é
ato divino, na Bíblia, e não ato humano. Esta é a primeira e fundamental
diferença entre o conceito pagão e o conceito cristão de culto. O culto não é
ação humana, mas ato de Deus em favor dos Seus. É serviço divino cujo
favorecido é do povo de Deus. Senão, vejamos:
Segundo a Bíblia, Deus é santo e nós pecadores. Estamos apartados
d'Ele, pois os nossos pecados fazem uma divisão entre nós e Ele, divisão esta
que não podemos por nós mesmos superar. Como, então, poderíamos, sequer,
comparecer em Sua santa presença? Razão porque diz Isaías: Quando vindes
comparecer perante Mim, quem vos requereu o só pisardes nos Meus átrios? (Isaías
1:12). Somos pecadores e não podemos comparecer diante de Deus, somente
aqueles a quem Ele assim "requer", ou seja, aos que Ele chamou. E,
claro, se Ele nos chamou isto é graça e misericórdia, ou seja, serviço divino
em nosso favor.
Segundo a Bíblia, Deus é auto-suficiente, não precisa de nada e
nem de ninguém. Ele é em Si e por Si. Seria mesmo blasfêmia irreverente julgar
que Deus precisa de nossas lisonjas ou de nossos elogios para sentir-se
satisfeito em Suas vaidades pessoais. Pois muitos há que pensam que Deus
precisa de nossos louvores e que, com tais louvores, de algum modo, aplacamos a
ira divina de sobre nós, "enganando-O" com nossas doces palavras. Não
é Deus que precisa de louvores, mas nós que, louvando-O, retornamos à essência
de nossa natureza, pois fomos feitos para o louvor da Sua glória. Assim,
poder estar na presença de Deus, o que não poderíamos senão por Sua
misericordiosa graça, e ainda poder dirigir a Ele nossa palavra, louvando-O, é,
de modo igual, graça misericordiosa, pois, ainda que pecadores. Deus nos
permite retornar à essência de nossa natureza, sendo este outro serviço de Deus
em nosso favor.
Segundo a Bíblia, Deus é misericordioso e compassivo, paciente e
assaz benigno. Por este motivo, ainda que indignos pecadores, podemos
comparecer em Sua santa presença e, como um Pai bondoso, ainda que sejamos
indesculpáveis pecadores, Ele ouve, no culto, a nossa confissão e nos estende o
Seu perdão, sendo este outro serviço misericordioso de Deus em favor do Seu
povo.
Segundo a Bíblia, Deus se revela, se mostra, ainda que sejamos
incapazes de compreendê-lo em Sua plenitude. Deus se auto-revela ao Seu povo
por meio da Sua Palavra. Ele fala conosco, não só Se mostrando, mas, na medida
em que Se revela, nos revela a Sua vontade, o Seu plano, o Seu projeto para nós
e para o mundo. Em outras palavras: por meio de Sua Santa Palavra Deus
endireita as nossas veredas tortas, lançando luz sobre os nossos caminhos para
que, realizando a Sua vontade, vivamos, não segundo a natureza decaída e
pecaminosa que nos afasta d'Ele, mas conforme a Sua vontade boa, agradável e
santa, sendo este outro serviço de Deus em favor do Seu povo.
Segundo a Bíblia, Deus é o dono de tudo aquilo que criou, sendo
d'Ele a prata e o ouro. Mas Deus nos permite, com o que d'Ele recebemos
graciosamente, participar da Sua obra neste mundo, devolvendo-Lhe os nossos
dízimos e ofertas. Nada temos que não seja d'Ele mesmo. Nada Ele precisa
daquilo que nos deu. Mas Ele nos dá esta graça de sermos parte do Seu serviço
Lhe devolvendo, como expressão de gratidão, um pouco do muito que nos dá.
Assim, até mesmo o fato de podermos agradecer a Deus é expressão pura de Sua
misericórdia, pois se não ofertássemos não seríamos parte da obra de Deus e,
assim, estaríamos fora de Sua obra redentora, de tal sorte que ofertas, sejam
quais forem, aceitas por Deus, fazem parte do serviço divino em nosso favor.
Segundo a Bíblia, Deus é soberano e age por Si e segundo o
beneplácito de Sua vontade soberana. Mas Ele nos permite, por bondade, realizar
a Sua vontade, sustentar a Sua causa. Por isso Ele nos chama e nos comissiona a
realizar a Sua obra. Algo que nem aos anjos Ele quis dar, senão somente àqueles
que chamou para Si. Para isto Ele nos fortalece, dando-Se a nós como alimento e
sustento, sendo esta mesa farta e eficaz. E, ao nos enviar ao mundo, por meio
da bênção que invoca sobre os Seus, Deus expressa Sua misericórdia e bondade,
confiando em pecadores para que tomem parte na obra da redenção, sendo este
outro serviço bondoso de Deus.
O Culto Cristão é o serviço que Deus realiza em favor dos Seus,
ou em favor do Seu povo, pois Ele nos vê na solidão do mundo, perdidos em
nossos pecados, vai ao nosso encontro, nos chama, nos traz para a Sua presença,
nos aceita como somos, nos dá o Seu perdão imerecido, nos permite retornar à
essência de nossa própria natureza, fala conosco, Se revela a nós, partilha
Seus planos e vontade conosco, nos permite sustentar a Sua obra, nos envolve
nela e nos alimenta para que, abençoados, sejamos uma bênção Sua a todos os que
jazem na morte O Culto Cristão é ato divino em favor do Seu povo, pois é
pura expressão de Sua graça, misericórdia, bondade, paciência e vontade
soberana.
O Culto é de Deus e não dos seres humanos. É essencialmente ação divina
e não ação humana. É algo que Deus nos dá e não algo que Lhe damos, pois Deus
de nada precisa, muito menos aquilo que pensamos poder Lhe dar.
Segundo a Bíblia, Deus não age em vão, ou seja, age sempre
visando um propósito, ou um fim proveitoso. Ora, Deus sempre chama de
algum lugar para um determinado fim. Ao nos chamar da dispersão do mundo
para a congregação dos Seus filhos, Deus nos chama visando um fim proveitoso,
quer para os Seus filhos, quer para o mundo. Na lição anterior vimos o serviço
de Deus aos Seus, mas nesta veremos o serviço de Deus ao mundo.
Segundo a Bíblia, Deus tem um plano para este mundo. Seu plano é
perfeito e eficaz e Ele o está executando. Parte deste plano está relacionado
ao Seu povo: é por meio deste povo que Deus realiza a Sua vontade no mundo. No
passado este povo foi Israel, hoje, é o Israel de Deus, ou seja, a Igreja.
Não é sem motivo que o termo igreja é uma transliteração do termo
grego "ekklesia". O termo grego "ek-klesia" é a junção da
preposição "ek" com o verbo "kaléo". A preposição
"ek" corresponderia, em português, à preposição "ex" (de fora),
e, o verbo "kaléo", ao verbo "chamar". Traduzindo-se
literalmente seria "chamados de fora". Deus, que está apartado deste
mundo pecador, nos chama para Si. Mas Ele também nos envia, de volta ao mundo,
para realizar a Sua vontade, o Seu plano para com este mundo. Neste ponto entra
em cena a segunda característica do Culto Cristão, pois ele é, também, o
serviço de Deus ao mundo, realizado por meio daqueles a quem Ele chamou e
enviou.
O serviço de Deus a este mundo passa pelo serviço da Igreja no meio do
mundo. Em outras palavras, Deus nos chama e nos envia com uma missão. Realizar
esta missão no meio do mundo é servir a Deus. Servir a Deus é ser uma bênção no
meio do mundo que necessita de Deus. Neste sentido, e somente neste, pode-se
dizer que o Culto Cristão é servido do povo a Deus, na medida que é
serviço feito às pessoas que sofrem no mundo decaído e sem Deus. Nós servimos a
Deus servindo o nosso próximo.
Este é o resumo que Jesus Cristo fez de todos os mandamentos: Amarás
o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas
forças, de todo o teu entendimento; e, o outro, semelhante a este é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Disto depende a Lei e os Profetas.
Assim, temos no Culto Cristão um duplo serviço divino: um dirigido a Seu
povo e outro dirigido ao mundo. Deus quer ser servido pelos Seus no serviço que
estes dedicarem ao próximo.
Este foi o motivo pelo qual os profetas criticaram o culto da antiga
aliança, pois o povo desejava comparecer diante de Deus, receber d'Ele todos os
benefícios do culto, mas não serviam a Deus no serviço do próximo. Culto não é
ato ritual, mas ato de vida. Cumprir os deveres para com Deus (primeira tábua
dos 10 Mandamento: Êxodo 20:1-8) é, de igual modo, cumprir os deveres para com
o próximo (segunda tábua dos 10 mandamentos: Êxodo 20:9-17). O ato
de culto deve expressar-se em gestos eficientes, concretos e claros em nossa
relação com o próximo. Este é o serviço do povo a Deus, que em nada precisa de
nossos serviços, mas que por misericordiosa graça nos chama a sermos partícipes
de Sua obra para este mundo, nos enviando de volta ao lugar de onde nos
congregou para vivermos conforme a Sua vontade e estendendo a Sua bênção a
outros.
Assim, culto não é ritual, melodia, formas, estética, beleza, palavras,
cânticos, dogmas, símbolos, ou qualquer outro detalhe que lhe podemos conferir.
Culto é vida que vivemos; se ela está à serviço de Deus ou não, se está ou não
à disposição de Deus no atendimento do nosso próximo. Por isso Jesus recomenda
que, quando trazemos a nossa oferta a Deus, mas o nosso irmão tem algo contra
nós, melhor deixar a oferta onde está, procurar o irmão e reconciliar-se com o
mesmo (Mateus 5:23-24). A oferta não seria expressão correta do culto,
mas um modo de tentar ludibriar a Deus (que tudo vê e sabe).
O Culto Cristão é, assim, um ato de resposta à ação bondosa de
Deus. Sendo que de nada adianta apresentar-se a Deus com lindos cânticos, boa
música, roupas novas, palavras belamente escolhidas, ofertas nas mãos, se
negamos dia-a-dia isto com nossos gestos, não servido ao propósito e ao fim
proveitoso para o qual Deus nos separou do meio do mundo. Deus nos chamou com
uma finalidade bem clara: Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é que
o Senhor pede de ti: senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e
andes humildemente com o teu Deus. (Miquéias 6:8). Por isso diz: Não
continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para Mim abominação, e também as
festas, os sábados, e a convocação das congregações; (...) a Minha alma as
aborrece, estou canso de as sofrer. Pelo que, quando estendei as mãos, esconde
vós os Meus olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço,
porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai a
maldade de vossos atos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei
à justiça, repreendei o opressor, defendei o direito do órfão, pleiteai a causa
das viúvas. (Isaías 1:13-17).
O Culto Cristão é um ato de resposta à ação bondosa de Deus, que
nos recolheu do mundo para nos alimentar e suster por Seu perdão amoroso e Sua
Palavra orientadora. Culto não é rito, por mais espiritual que isto possa
parecer. Ao criticar atitudes assim, disse Deus: Mesmo neste estado ainda Me
procuram dia a dia, dizendo: Por que jejuamos nós e Tu não atentas para isso?
Por que nos afligimos e Tu não levas isso em conta? Por que, no dia em que
jejuais, exigi que se faça todo o vosso trabalho. Eis que jejuais para rixas e contendas
e para ferirdes com punho iníquo; jejuando assim, não se fará ouvir a vossa voz
no alto.(...) Este é o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade,
desfaças as ataduras da servidão, deixe livre os oprimidos e quebres todo o
jugo,(...) que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os
desabrigados, e se vieres o nu o cubras, e não te escondas do teu semelhante. (Isaías
58). Autor Desconhecido
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